terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Guest Post: Quem eles conhecem não sou eu!

Quero apresentar aqui um novo amigo que vou chamar de "Pequeno Homem!" (Ele é pequeno e é homem). Conheci esse homem, num corpo de adolescente, a pouco tempo e venho brincando com o fato de ele ser tão jovem e tão maduro.

Ele tem 17 anos, tem família no interior (como eu) e ainda sofre dificuldades em se relacionar com sua família. Pedi que ele escrevesse um pouco sobre isso e rapidamente ele me mandou este texto:
Quem eles conhecem não sou eu! 
Para um armariado, viver no mesmo teto que seus pais torna sua vida uma imensa farsa do que seus pais gostariam que você fosse. Primeiro porque você não consegue ter uma relação aberta com eles e segundo porque você está muito preocupado com a chave do armário, que a qualquer minuto pode girar e te tirar de lá de dentro sem que você queira, deixando seus pais, parentes e amigos conhecer a pessoa que eles jamais pensariam que você realmente é. 
As primeiras pessoas para as quais você irá destrancar COM CERTEZA não serão seus pais. 
No meu caso a primeira pessoa a saber foi minha melhor amiga, que desde a infância esteve ao meu lado. Para ela não foi lá grandes coisas pois mesmo você estando dentro do armário sempre gera aquela dúvida nas pessoas que estão a sua volta. Como conseqüência recebi um: “Ahhhhh, isso eu já sabia, amor! Fica tranqüilo, eu ainda te amo do mesmo jeito”. Tudo que eu sempre quis foi que tais palavras tivessem sido proferidas pelos meus pais. 
Passou algum tempo e eu já estava acostumando a me expressar, falar, agir enfim SER EU MESMO quando estava com ela e isso me fez preferir estar ao lado dela a estar com minha família, simplesmente por uma questão de aceitação. 
Depois de algum tempo, como toda mãe, a minha começou a notar algumas mudanças em mim: Não queria mais sair com meu irmão, com meu pai, até mesmo com ela; preferia ficar em casa sem fazer nada. E foi aí que começou um dos vários problemas que todo armariado enfrenta na sua vida (ou pelo menos eu enfrento na minha). 
Minha mãe não entendia minha suposta rejeição. Eu não gostava de sair com eles pelo fato de eu gostar de quem eu era com meus amigos (que a essa altura alguns já sabiam de mim) minha relação com eles foi se tornando cada dia pior. 
Hoje posso dizer que vivo entre dois mundos: o meu propriamente dito, e o do filho deles. Não sei ao certo como isso deva acabar, mas os primeiros passos já foram dados: Nárnia não mais é meu lugar! Sinto isso. Mas não é chegada a hora de girar a chave e deixar trancado o armário que me conteve todos esses anos.
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Esse garoto teve que virar um homem antes do tempo e aprender a fingir, a dissimular, a se esquivar da pessoas...  Mas história dele pra mim é um sinal de esperança porque eu vejo nele consciência e força pra lutar.

Não será logo, mas um dia ele conseguirá sair e já terá pronto um mundo cheio de amigos.

Continue assim Pequeno Homem!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Saindo do Armário - parte 2

No dia seguinte a nossa primeira conversa acordei tarde e vi 10 chamadas não atendidas do número do meu pai, não quis retornar, pois não sabia como seria o clima com meu pai, até o momento (23/02/12) não sei. Mas as chamadas tinham sido da minha mãe e ela voltou a ligar durante a tarde.

Na conversa que se seguiu, com ela um pouco dopada e eu extremamente centrado, surgiram diversas perguntas e felizmente eu estava pronto pra dar as respostas certas e pra mostrar a ela que era dela agora a responsabilidade de resolver esse imbróglio.

Tenho lembranças misturadas porque demorei a registrar isso e a conversa foi extremamente LONGA e ela me perguntou de tudo:

- Quem mais sabe?

Aqui começa a preocupação dela em se manter no armário, processo inverso ao meu e que é muito bem descrito pela Edith Modesto: "quando o filho sai do armário, a mãe entra". A preocupação em não espalhar a notícia é normal, a motivação é a mesma que faz tantos homossexuais se esconderem por tanto tempo: O MEDO.

Medo da reação dos parentes.
Medo dos olhares de desdém.
Medo das fofoquinhas.
Medo do preconceito que os filhos podem sofrer.

Mas todos esses medos já foram superados pelo filh@ que resolve contar que é gay pros pais. Por esse mesmo motivo usei este argumento para mostrar o quanto já tive medo e o quanto tinha sido difícil conviver com esses medos a vida inteira.

Uma das coisas que eu disse foi que ela imaginasse esse medo que ele tinha, mesmo ela tendo um companheiro, tendo casa própria e um emprego do qual não há riscos de demissão por essa causa, mesmo ela no alto dos mais de 40 anos tem MEDO DO PRECONCEITO.

Esse preconceito que era alimentado mesmo que inconcientemente nas piadinhas homofóbicas, nos comentários insinuosos sobre o comportamento mais afeminado de um menino ou mais masculino de uma menina [preciso explicar isso melhor qualquer dia desses].

Um frase forte que disse:
"Nada do que você venha a sofrer vai se comparar ao que já sofri, mesmo que passe pelas mesmas coisas não será igual, você tem mais de 40 tem sua família, sua casa, seu marido... Eu era apenas uma criança e tive que passar por tudo isso calado sem a ajuda de ninguém!"

Nessa conversa falamos sobre namoro e casamento, no dia anterior eu tinha soltado a pérola:
"Eu não quero morrer sozinho e você não vai estar o tempo todo aqui... Um dia você vai morrer e quem é que vai estar comigo quando eu estiver velho e doente? Quem vai estar do meu lado?"

Mas nessa segunda tarde é que veio a enxurrada de perguntas, algumas até engraçadas:
- Ele é menor de idade?
- Não, ele tem 22 anos. E essa idéia de que todo gay é pedófilo é só mais uma das estórias que lhe fizeram acreditar.
- Você está usando camisinha?
- Eu acho que com 25 anos eu já sei me proteger, mas sim, eu uso sempre. E essa história de que todo gay tem AIDS é outra das invenções que colocaram na sua cabeça. 
- E ele sái com outros rapazes? [WTF ela tomou???]
- Mainha, qual a parte do MEU NAMORADO você não entendeu? Ele é MEEEEU namorado! Ele só sái comigo e eu com ele. Mais uma vez você só tah repetindo o que lhe fizeram acreditar, que todo gay é promíscuo... meu amigo MAGRO tah toda semana com uma menina diferente e ninguém diz nada.
- Magro é também????
- Não!!!!! Eu falei MENINAA. Ele tah sempre de namorada nova e ninguém fala nada. Fulaninho é meu primeiro namorado e eu tô namorando ele há quase um ano.
- Então você quer que eu acredite que ele é seu primeiro homem? [Tom sarcástico forte]

Nesse momento eu me fingi de doido, tudo tem limite né? Até intimidade! (KKKK).

Ela me pediu que eu não casasse, podia morar junto mas casar não! [Sério Marcia???] E também pediu [de forma delicada] que eu fingisse que ele era apenas um amigo e que eu não deixasse eles verem carinhos, beijos, mãos dadas etc. Nesse momento eu retruquei:
- Mãe. Vocês não estão em posição de exigir NADA. Eu não estou pedindo NADA, eu só estou dando a chance de vocês participarem verdadeiramente da minha vida, não pela metade! Eu não quero esse amor pela metade! Se for pra ter vocês por perto fingindo ser quem eu não sou, eu prefiro não ter mais contato nenhum! É muito menos doloroso do que estar do lado de alguém pela qual você faria qualquer coisa e saber que essa pessoa não é capaz de fazer o mesmo por você.
- Não diga isso, eu faço, Eu lhe aceito, eu como mãe eu tenho obrigação de lhe aceitar!
- NÃO!!! NÃO!!! Você não tem obrigação nenhuma comigo. A única coisa que você tem é uma escolha: aprender a lidar com isso ou sair da minha vida!
Não tô dizendo que vai ser fácil e rápido. Não! Você vai sofrer! E vai sofrer MUUUUITO. Mas a única coisa que você pode fazer é isso. Eu não tenho problema nenhum com isso, o único que tinha era de não ter contado ainda pra vocês... Quem tem um problema são vocês e chama-se PRECONCEITO, então aprendam a lidar com isso... Procure uma ajuda profissional, um psicólogo, um terapeuta, quem tem um problema agora são vocês!

Depois a conversa deu uma amenizada... Ela falou que meu pai e ela estavam muito tristes e que ele estava chorando muito. Eu disse que por mais que eu sentisse eu não conseguia me comapadecer da dor dos dois, porque esse sofrimento não era nada perto do sofrimento que leva milhares de jovens a tentar sucídio todo ano e do sofrimento das famílias desses jovens que morreram porque não tiveram apoio de seus familiares. Nesse momento eu usei o caso de um primo que morreu ano passado:

- Você acha que você está sofrendo? Você acha que o sofrimento que você tá passando se compara a dor da mãe dele? Acha mesmo?
- Não, nada se compara a dor dela...
- Pergunte ao seu irmão se depois de tudo que ele sofreu, e ainda está sofrendo, se ele preferiria saber que o filho dele está lá enterrado ou que o filho dele tem um namorado?
[Longo silêncio]
- Você acha mesmo que dá pra comparar?
- Não.
- Então não diga que tá sofrendo... Eu sofri vinte anos calado e nunca disse nada pra evitar que vocês sofressem.

Depois de algum tempo de conversa ela estava novamente exausta e resolveu desligar.

Foi cansativo mas valeu a pena, eu disse muitas outras coisas que eu não conseguiria descrever aqui sem misturar a ordem, mas pude dizer com calma e paciência. As centenas de textos das dezenas de blogs que já li me deram tanto o conhecimento do tema quanto a humildade de me colocar do outro lado da situação.

Sei que ainda vão haver longas conversas, ainda nem conversei com meu pai, mas cada dia me mostra o quanto eu adiei esse momento e quanto esse adiamento me deu ferramentas pra passar por issos sem muito estresse.

UPDATE

As coisas melhoram muuuito e eu já conversei com meu pai: http://historiasdearmario.blogspot.com.br/2012/07/minha-primeira-conversa-com-meu-pai.html

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Saindo do Armário - parte 1

Eu sempre imaginei como seria a minha saída do armário (coisas voando pela sala, eu destruindo todos os enfeites das estante, minhas roupas sendo jogadas na rua e imaginei até mesmo um: "Eu já sabia!") mas no fim das contas foi bem diferente... Liguei pra minha mãe e disse: "Sabe aquele garoto? Ele não é só meu amigo, ele é meu namorado."

Pronto, tava feito, acabou (Só? Como assim? E a louça voando? E eu fazendo o barraco do século?)

Calma, não foi APENAS isso, mas foi bem assim sem grandes eventos. Minha mãe agiu como TODAS as outras mães e passou por todos os clichês possíveis:

Ela chorou durante a primeira conversa inteira (que durou uns 40min ou mais) e parecia não acreditar não importasse o quanto eu repetisse!

Quando eu falei que ela usou todos os clichês não era força de expressão mas pra cada um deles eu já tinha a resposta adequada. Acredito que tenha sido extremamente cansativo porquê eu acho que ela usou todo o poder argumentativo que ela tinha (e não é pouco) e parecia que ela estava jogando água numa pedra: as respostas eram sempre incontestáveis e rápidas. Pareciam as etapas da morte:

A negação + Fúria:
Ela - Como é que você faz uma coisa dessas comigo.
Eu - Eu não tô fazendo nada, eu não fiz nada. Eu nasci assim, eu não escolhi nascer... a culpa é sua.

Ela - Como é que você escolhe uma dessas pra você? [forma carinhosa de xingamento]
Eu - Eu não escolhi nada, ninguém escolhe! Você acha que uma pessoa em sã conciencia escolhe ser discriminado na família, na escola, no trabalho... escolhe andar na rua com medo de a qualquer momento ser espancado até a morte?

Ela - Você já ficou com alguma menina pra saber?
Eu - Você ficou com alguma menina pra saber que não gosta? Não! Porque você nunca sentiu vontade! Eu também não... desde que eu me entendo por gente que eu sempre gostei de meninos e não de meninas.

Ela - Mas como você tem certeza? Não dá pra você tentar?
Eu - Você já ouviu falar em EREÇÃO? Não dá pra fingir que um homem tah excitado, não tem um botãozinho de liga/desliga.

Ela - A escola onde você estudou teve influência? [o diretor é gay]
Eu - Nada a ver, ninguém influencia ninguém, fosse assim não existia viado. [acho que usei a palavra viado de propósito só pra chocar um pouco]

Ela - Sua irmã já sabia?
Eu - Sim.
Ela - E porque ela não me disse nada?
Eu - Porque é um assunto particular, que só cabia a mim contar.
Ela - Seu primo EMO sabe?
Eu - Todo mundo que anda comigo sabe, meus amigos, os colegas de faculdade, de trabalho, TODOS e pra nenhum deles isso é um problema.

Nesse momento ela contou que rolou um boato que um tio da minha mãe comentou que eu estava com um namorado e minhã com uma namorada... OH!!! Really? Eu juro que preciso pedir a esse tio os números da mega-sena.

Depois ela perguntou se eu estava sabendo que ia pro inferno. Não lembro os detalhes mas lembro de um trecho que eu disse:
Você acredita REALMENTE que Deus ia fazer uma sacanagem dessas com alguém? Pera, vamo usar o raciocínio só um pouquinho: [xingando de burra, não façam isso!] 
Deus tá lá fazendo a pessoa, aí ele pega e diz:
Eita, eu vou mandar você pra terra mas você não vai se sentir atraído por mulher, não vai poder casar e ter filhos. Vai ser xingado e excluído dos grupos e lugares. Vai andar na rua com medo de ser espancado até a morte... Mas pra completar você vai sentir atração por homens, mas se você ficar com algum homem eu vou te mandar pro inferno! 
Você acha mesmo que Deus é tão FILHO DA PUTA ASSIM??? [Agora eu sei que vou pro inferno!] Você acha que aquele Deus que perdoava todo mundo ia fazer uma sacanagem dessas com alguém? Acha mesmo?

Em um outro mo mento ela falou do meu pai:
Ela - E seu pai? Ele não vai aguentar uma notícia dessas... [Cardíaco, hipertenso e diabético]
Eu - DÊ REMÉDIO A ELE E DEPOIS CONTE!
Em um certo momento ela cansou e disse que estava com dor de cabeça e precisava ir pro trabalho. Eu disse que ela tomasse um calmante antes de sair e disse que iriam surgir dúvidas e se ela quisesse podia ligar e perguntar que eu não iria me ofender com as perguntas.

As perguntas vieram no dia seguinte... mas isso eu conto amanhã.